Resumo do Livro 1 de The Witcher: O Último Desejo. Por: Lucas Louzada.

Resumo livro the witcher
Fonte da imagem: Calimero https://www.wallpaperup.com/240841/video_games_The_Witcher_fantasy_art_artwork_Geralt_of_Rivia_striga.html

O Vale do Pontar sempre postou conteúdo dos fãs de The Witcher, afinal o Vale sempre foi feito de fãs para fãs e dessa vez recebemos um resumo muito bom do primeiro conto do primeiro livro: O Bruxo!  O autor do texto é Lucas Louzada e ficamos muito felizes com o conteúdo enviado por este! Segue então abaixo o texto:

A narrativa começa com um desconhecido chegando em Vizima, conduzindo seu cavalo pelas rédeas.

 Já era tarde, as barracas dos cordoeiros e seleiros estavam fechadas e a ruazinha, deserta. Fazia calor, mas o homem, até então desconhecido, carregava uma pesada capa preta sobre os ombros. Chamava a atenção.

 Parou diante da estalagem O Velho Narakort e ficou por um momento ouvindo o burburinho. Àquela hora, como de costume, o lugar estava cheio. Por conta disso, o desconhecido não entrou. Seguiu adiante e puxou seu cavalo até uma taberna menor, chamada A Raposa. Estava quase vazia, afinal, não tinha boa fama.

 Entrando na taberna, o desconhecido dirigiu-se ao balcão central, onde pediu uma cerveja. Depois disso, ao invés de sentar-se na mesa com os poucos fregueses, ele permaneceu de pé junto ao balcão, encarando o taberneiro com olhos penetrantes.

 Após um tempo, o homem disse ao taberneiro que estava procurando um quarto para passar a noite. O taberneiro, depois de reconhecer que seu cliente era de Rívia, concedeu.

 Foi então que a confusão teve início. Um magricela bexiguento, que desde o momento que o desconhecido entrara na taberna o observava soturnamente, levantou-se da mesa e aproximou-se do balcão. Dois de seus companheiros se postaram atrás, a menos de dois passos.

– Não ouviu que não há lugar aqui para tipos como você, seu vagabundo riviano? Aqui, em Vizima, não precisamos de gente de sua laia. Esta é uma cidade decente.

  O desconhecido pegou a caneca e se afastou, olhando para o taberneiro. Este, no entanto, evitou seu olhar. Nem lhe passava pela cabeã sair em defesa de um riviano. Afinal, quem gostava de rivianos?

– Todos os rivianos são ladrões! Ouviu o que eu disse, seu bastardo?

– Pague a conta e suma daqui!

– Primeiro, vou terminar minha cerveja.

– Pois nós vamos ajuda-lo.

 O bexiguento e seus comparsas começaram o ataque. Um dos três homens, agarrou o desconhecido pelo braço, enquanto um de seus companheiros preparava-se para desferir um soco. No entanto, eles não contavam com as habilidades sobrenaturais do desconhecido. Ele, após desvencilhar-se do capanga que o segurava, desembainhou sua longa espada de dois gumes, que ficava presa a suas costas por um cinturão. Com ela, ele matou todos os três homens.

 Todos na taberna estavam aterrorizados. Ninguém se mexia. Um misto de horror e medo cobria todos os rostos, imobilizava os membros e travava as gargantas.

 Três guardas, que decerto faziam a patrulha da rua, foram atraídos pelo barulho e adentraram a taberna com grande estrondo. Traziam nas mãos porretes envoltos em tiras de couro, mas adiante da visão dos cadáveres, sacaram as espadas.

 – Vá buscar reforços, Treska!

– Não vai ser preciso. Irei com vocês por conta própria.

 O riviano colocou rapidamente a lâmina da espada sob a axila esquerda e com a mão direita descreveu, apontando para os guardas, um rápido e complicado sinal no ar. Ele havia lançado o sinal Axii, que causa controle da mente. A partir desse momento, o leitor descobre que o desconhecido não é um homem comum.

II

 O homem foi levado à Velerad, estaroste da cidade, que ordenou que o desconhecido se justificasse pelo seu crime cometido.

– Vocês têm afixado isto nas tabernas e nas encruzilhadas.

 É verdade o que está escrito aqui?

 

– Ah. Então é disso que se trata. Devia ter adivinhado. Sim, é a mais pura verdade. O pergaminho está assinado por Foltest, rei da Temeria, Ponatar e Mahakam, o que significa que é verdadeiro.

-Velerad

 

O desconhecido, apresenta-se como Geralt de Rívia, mostrando seu medalhão redondo gravado com uma cabeça de lobo, o que significava que ele era um bruxo, ou seja, matava monstros em troca de dinheiro.

Velerad tentou convencer Geralt a não se envolver neste assunto, afirmando que é um caso muito sério, e que muitos já morreram tentando receber a recompensa – três mil ducados.

 -Nosso amado Foltest, quando ainda era príncipe, durante o reinado de seu pai, o velho Medell, já nos mostrou do que era capaz, e era capaz de muito. Acreditávamos que aquilo passaria com o tempo, mas pouco depois de sua coroação, logo após a morte do velho rei, Foltest se superou. Ficamos atônitos. Em poucas palavras: fez um filho na própria irmã, Adda. Ela era mais jovem, andavam sempre juntos, mas ninguém suspeitou de nada… Talvez a rainha… De qualquer modo, lá estavam Adda com uma barriga daquelas e Foltest falando em casamento. Um casamento com a irmã, você se dá conta disso, Geralt? A situação se complicou ainda mais, já que exatamente àquela época Vizimir de Novigrad teve a brilhante ideia de casar sua filha, Dalka, com Foltest, e enviou uma delegação. Tivemos de segurar o rei pelas pernas e pelos braços, porque ele queria xingar e bater nos emissários. Ainda bem que conseguimos, pois, se Vizimir tivesse se ofendido, nos teria arrancado o fígado. Depois, não sem ajuda de Adda, que tinha influência sobre o irmão, conseguimos dissuadi-lo de seu propósito de um casamento imediato. Quando chegou a hora, Adda deu à luz. E agora preste atenção, porque é aí que tudo começa. Não foram muitas pessoas que viram o que nasceu, mas uma das parteiras pulou da janela da torre e morreu, enquanto a outra ficou com a mente afetada e está lelé até hoje. Diante disso, acredito que o recém-nascido não fosse especialmente bonito. Era uma menina, que morreu logo em seguida. Imagino que ninguém teve muita pressa em cortar o cordão umbilical. Adda, por sorte, não sobreviveu ao parto. Depois, meu irmãozinho, Foltest cometeu mais uma estupidez. A recém-nascida deveria ter sido queimada ou, sei lá, enterrada num lugar deserto, e não guardada num sarcófago no subsolo do castelo.

-Velerad

 

– Depos de um tempo, tomamos conta do que jazia naquele sarcófago e saía dele toda noite. Mas não pense que começou a sair logo. Ah, não! Depois do enterro, tivemos sete anos de paz. Até que, numa noite de lua cheia, ouvimos gritos no castelo. Gritos desesperados e muita agitação! Não preciso entrar em detalhes; você entende desse assunto e leu a proclamação. A recém-nascida cresceu, e bastante, dentro da tumba, e seus dentes se desenvolveram de maneira impressionante. Em poucas palavras: virou uma estrige.

-Velerad

 

 Velerad revelou que o rei Foltest havia convocado um monte de feiticeiros, que sugeriram que a estrige deveria ser queimada, com o sarcófago e o castelo; que lhe cortassem a cabeça com uma espada; que cravassem estacas de bétula em várias partes de seu corpo durante o dia, quando estaria exausta pelas excursões noturnas. No entanto, um velho eremita corcunda, afirmou que tudo não passava de um encanto fácil de desfazer e que a estrige voltaria a ser a filhinha de Foltest, linda como uma pintura. Para isso, bastaria passar uma noite na cripta. Ele mesmo tentou, mas acabou em pedaços. Apesar disso, rei Foltest abraçou esta ideia e proibiu qualquer tentativa de matar a estrige, ignorando o fato de que o monstro matava centenas de pessoas por ano.

 O estaroste também disse que dois bruxos já tentaram matar a criatura. O primeiro deles, um pouco mais novo que Geralt, teve suas tripas espalhadas por uma área equivalente a meia distância percorrida por uma flecha disparada de um arco. O segundo, quando viu a estrige, nem hesitou em permanecer, e fugiu.

III

 O bruxo foi levado até Foltest, por Velerad. Foltest era um homem esbelto e tinha rosto bonito. Geralt avaliou que ele ainda não completara quarenta anos. O rei, com o objetivo de conhecer melhor o bruxo, perguntou-lhe se ele tinha experiência. No entanto, Geralt respondeu que seu código de conduta não lhe permite falar sobre o que ele faz.

– Se cair um só fio da cabeça de minha filha, a sua vai parar no cepo. Isso é tudo. Ostrit e o senhor, senhor Segelin, deverão ficar aqui e lhe dar todas as informações de que necessitar. É costume dos bruxos fazerem muitas perguntas. Deem comida a ele e o façam dormir no castelo. Não quero que fique vagando pelas tabernas.

-Foltest

 

 Depois de exteriorizar essas palavras, Foltest retirou-se do cômodo, deixando Geralt à companhia de Ostrid, Segelin e Velerad. Segelin e Ostrid afirmaram que os Versados acreditavam que, para desfazer a maldição, bastaria alguém passar uma noite, desde o pôr do sol até o terceiro canto do galo, no subsolo do castelo, junto do sarcófago.

 -A princesa tem o aspecto de uma estrige! A mais estrigenta das estriges de que ouvi falar! Sua Alteza Real, a maldita filha bastarda do rei, mede quatro côvados, lembra uma barrica de cerveja, tem uma bocarra que vai de orelha a orelha e é cheia de dentes afiados como estiletes, olhos vermelhos e cabelos ruivos! Seus braços, tão compridos que chegam até o chão, são providos de garras como as de um lince! Espanta-me o fato de ainda não termos começado a enviar seu retrato às cortes vizinhas! A princesa, que a peste negra a sufoque, já tem catorze anos e está mais do que na hora de casá-la com um príncipe qualquer!

-Velerad

 

  Segelin também disse que a estrige só ataca fora do castelo nas noites de lua cheia.

– Ela os devora, crava-lhes os dentes, come apenas uma parte ou deixa-os inteiros, certamente dependendo de seu humor no momento. Arrancou a cabeça de um, estripou dois e em outros deixou apenas os ossos… filha da mãe!

-Segelin

 

IV

 

  Eles relataram a Geralt que um moleiro havia sobrevivido ao ataque do monstro e ainda morava na cidade. Assim, no dia seguinte, o homem foi levado ao pequeno cômodo sobre a casa da guarda no qual fora alojado o bruxo. A conversa não trouxe grandes resultados. O moleiro estava apavorado, tartamudeava, gaguejava. Muito mais revelaram ao bruxo as suas cicatrizes: a estrige tinha uma impressionante abertura dos maxilares e dentes realmente afiados, dentre eles quatro caninos superiores, dois de cada lado, muito longos; suas garras eram com certeza mais afiadas do que as de um lince, embora menos recurvadas. Aliás, foi exatamente graças a isso que o moleiro conseguiu escapar com vida.

 Concluído seu exame, o bruxo fez sinal ao moleiro e ao guarda, indicando-lhes a saída. O guarda empurrou o camponês para fora do aposento e tirou o capuz. Era Foltest em pessoa.

 Geralt expôs seu método: planejava ia ao sarcófago durante o plenilúnio e passar a noite no castelo, junto à estrige.

– Jamais castigaria alguém que a matasse em legítima defesa. Mas não permitirei que ela seja morta antes de esgotadas todas as possibilidades de salvá-la. Já tentaram incendiar o castelo antigo, dispararam flechas em sua direção, cavaram buracos, prepararam armadilhas e laços, até o momento em que mandei enforcar algumas pessoas. No entanto, não é disso que se trata. Se entendi bem, depois do terceiro canto de galo não haverá mais uma estrige. E o que haverá em seu lugar?

                                                                                                                                              -Foltest

 

– Se tudo der certo, uma menina de catorze anos. Só que creio que ela estará no nível de uma criança de três a quatro anos. Vai precisar de cuidados especiais por bastante tempo.

Se ela falecer após um desmaio de vários dias, seu corpo deverá ser queimado o mais rapidamente possível, senão o monstro voltará.

– Trata-se de um caso bastante sério, e o risco é enorme. Por isso é preciso que Vossa Majestade preste muita atenção: a princesa deverá portar sempre uma safira, de preferência uma inclusão, pendurada no pescoço numa fina corrente de prata. Sempre. De dia e de noite.

 

– Agora é sua vez de me ouvir com atenção. Se chegar à conclusão de que a situação é desesperadora, mate-a. Caso consiga desfazer o feitiço e a garota não for… normal… se tiver a menor sombra de dúvida de que seu trabalho não foi concluído totalmente, mate-a. Não precisa ficar com medo, pois não lhe farei mal algum. Gritarei com você na frente dos outros, expulsá-lo-ei do castelo e da cidade, nada mais. Obviamente, não lhe pagarei a recompensa, mas talvez você consiga barganhar alguma coisa de… você sabe de quem.

                                                                                                                                              -Foltest

 Foltest também perguntou ao bruxo se a história de que sua filha havia se transformado em um monstro devido às relações incestuosas com sua irmã era verdadeira. Geralt respondeu que não, alegando que estriges eram engendradas a partir maldições, não naturalmente.

-Um feitiço tem de ser lançado por alguém; não existe feitiço capaz de lançar-se por si mesmo. De outro lado, creio que a relação incestuosa de Vossa Majestadetenha sido o motivo para o enfeitiçamento e para o resultado daí advindo.

 

-Você inspira confiança, apesar de eu saber quão velhaco pode ser. Contaram-me o que se passou naquela taberna. Tenho certeza de que matou aqueles dois vagabundos exclusivamente para chamar a atenção para si, para chocar as pessoas e chegar a mim. Está mais do que claro que poderia contê-los sem a necessidade daquela matança toda. Nunca saberei se você está indo para salvar minha filha ou para matá-la. Mas aceito. Sou forçado a aceitar. E sabe por quê? Porque acho que ela está sofrendo.

 

 Após exteriorizar estas palavras, Foltest se retirou do quarto, deixando Geralt a sós.

V

Geralt olhou pela janela do castelo pela última vez. Anoitecia rapidamente. Do outro lado do lago, tremulavam as pouco visíveis luzes de Vizima. Toda a área em volta do castelo se tornara um descampado, um cinturão de terra de ninguém que, nos últimos seis anos, separava a cidade daquele lugar perigoso. Nada havia ali além de ruínas, vigas apodrecidas e restos de uma paliçada cheia de brechas.

O bruxo olhou ao redor do cômodo vazio, e retornou à empoeirada mesa, junto da qual, lenta e calmamente, começou a se preparar. Sabia que dispunha de tempo. A estrige não sairia da cripta antes da meia-noite. Sobre a mesa havia uma pequena caixa com guarnições metálicas. Abriu-a, e em seu interior, apertados em minúsculos compartimentos forrados de feno, encontravam-se diversos frasquinhos de vidro escuro. O bruxo retirou três deles. Levantou do chão um embrulho comprido, envolto em pele de ovelha e amarrado com tiras de couro. Desenrolou-o e dele tirou uma espada de punho lavrado. A lâmina era protegida por uma brilhante bainha coberta de fileiras de runas e símbolos místicos. O bruxo desnudou a lâmina, que brilhou como um espelho. Era de prata pura. Geralt sussurrou uma fórmula mágica e bebeu o conteúdo de dois dos frascos, pondo, a cada gole, a mão sobre a empunhadura da espada. Depois, envolveu-se cuidadosamente em seu manto negro e sentou-se no chão, já que no aposento, assim como em todo o castelo, não havia cadeira alguma.

 Permaneceu imóvel e com os olhos cerrados. A respiração, regular de início, logo ficou acelerada, rouca, agitada, e então cessou por completo. A mistura graças à qual o bruxo assumiu pleno controle de todos os órgãos do corpo era composta, basicamente, de veratro, estramônio, pilriteiro e eufórbio; os demais ingredientes não tinham nome em nenhuma língua humana. Para alguém que não estivesse acostumado a ela desde criancinha, assim como ele, seria um veneno mortal.   

O bruxo repentinamente virou a cabeça. Sua audição, potencializada ao extremo naquele momento, captou sem dificuldade o som de passos no pátio coberto de urtigas. Não podia ser a estrige, era cedo demais. Geralt colocou a espada às costas, ocultou o embrulho na chaminé da lareira e, silenciosamente como um morcego, desceu correndo as escadas. O pátio ainda estava claro o bastante para que o homem que se aproximava pudesse ver o rosto do bruxo. Era o magnata Ostrit, que deu um passo para trás, e um involuntário esgar de terror e asco contorceu-lhe os lábios. O bruxo sorriu ironicamente, pois sabia qual era seu aspecto. Depois de ingerir a mistura de beladona, acônito e eufrásia, seu rosto adquirira a cor de giz e suas pupilas se expandiram por toda a íris. O elixir, no entanto, permitia enxergar no escuro, e era isso que Geralt desejava.

 Ostrit fora visitar Geralt para convencê-lo a não desfazer a maldição da princesa. Ele fazia parte do grupo de pessoas que queriam destituir Foltest do poder, para que, após isso, pudessem matar o monstro. Esse grupo de pessoas já tentara contratar, tanto profissionais quanto mentecaptos, para matar a estrige em troca de uma recompensa em ducados, bem menos a que o rei oferecia.

 Geralt negou qualquer possibilidade de trair Foltest, alegando que está na cidade para executar a tarefa honestamente. O magnata não gostou nem um pouco da resposta do matador de monstros e, por este motivo, tentou abatê-lo. Porém, além de tomar poções que o deixavam mais rápido, Geralt tinha habilidades extra-humanas proveniente de mutações, afinal, ele era um bruxo. Sendo assim, após Ostrit desferir o primeiro golpe, o bruxo não viu outra escolha a não ser revidar e, devido à força da pancada, Ostrit perdeu os sentidos.

VI

 Quando o magnata acordou, descobriu que estava no antigo castelo do rei e, portanto, na casa da estrige. De início, Ostrit, que estava amarrado, gritou em desespero. Porém, após a reprimenda do bruxo, ele se calou.

 Sem outra alternativa de safar-se daquele lugar horrendo e esquálido, Ostrid revelou ao bruxo toda a verdade.

-É verdade que eu quis derrubar Foltest, e não fui o único. Mas apenas eu desejava sua morte; queria que ele morresse em sofrimentos mais profundos, que perdesse a razão, que apodrecesse. E sabe por quê? Porque eu amava Adda. A irmã do rei… A amante do rei… A puta do rei… Eu estava apaixonado por ela… Sei o que está pensando. Mas não foi assim. Quero que acredite que não lancei mão de feitiço algum. Não tenho conhecimentos no campo da magia negra. Apenas uma vez, tomado de ódio, eu disse… Foi a mãe deles, a rainha. Tenho certeza de que foi ela. Ela não aguentava mais ver Adda e ele… Não fui eu. Somente uma vez, sabe, tentei persuadir Adda… Mas ela… Bruxo! Eu perdi a cabeça e disse… Bruxo, teria sido eu?

   Já era tarde demais. Por mais que tivesse contado a verdade ao bruxo, não havia mais tempo. Era meia noite.

 Ostrit não ouviu o rangido da lápide se movendo sobre a tumba, mas o bruxo, sim. Inclinou-se e cortou com um punhal as cordas que o amarravam. O magnata não perdeu tempo: levantou-se de um pulo e, coxeando sobre membros enrijecidos, se pôs a fugir. Sua visão se acostumara o suficiente à escuridão para enxergar o caminho que levava do salão principal à saída. A parte do piso que bloqueava a entrada à cripta saltou do chão, caindo com estrondo. Geralt, prudentemente escondido detrás da balaustrada da escadaria, viu a encurvada silhueta da estrige correndo ágil, rápida e certeiramente atrás do retumbo das botas de Ostrit, sem emitir som algum.

 Um monstruoso grito frenético rasgou a noite, sacudiu os muros do castelo e pairou no ar por muito tempo, ora se erguendo, ora caindo, vibrante. O bruxo não conseguia calcular a distância – seu exacerbado sentido de audição o confundia –, mas percebeu que a estrige alcançara o alvo muito rápido. Decidiu sair do esconderijo, e plantou-se no centro do salão, junto do acesso à cripta. Ficou à espera da estrige.

 Ouviu-a. Avançava lentamente, arrastando os pés pelo chão. Depois, conseguiu vê-la. A descrição fora correta. A desproporcionalmente grande cabeça apoiada num pescoço curto era circundada por uma emaranhada e retorcida auréola de cabelos vermelhos. Os olhos brilhavam na escuridão como dois tições.

 Ela atacou primeiro. Geralt, com os sentidos aguçados em virtude da poção que havia tomado, conseguiu desviar-se do golpe e, habilidosamente, deferiu-lhe na cabeça uma pancada com as puas de prata fixadas na parte externa da luva. A estrige lançou um grito terrível, preenchendo o castelo com um eco retumbante.

 Encolheu-se no chão e começou a uivar de maneira surda, ameaçadora e furiosa. O bruxo sorriu maliciosamente. Conforme esperara, o primeiro teste fora positivo. A prata revelara-se tão fatal à estrige quanto à maior parte dos monstros trazidos à vida por feitiços. Portanto, havia uma chance: a besta era como as outras, o que poderia garantir um desenfeitiçamento, além de fazer com que, como último recurso, a espada de prata lhe salvasse a vida.

 A estrige não demonstrava pressa em iniciar novo ataque. Aproximava-se devagar, arreganhando as presas e babando horrivelmente. Geralt recuou e, ao mesmo tempo que se movia, ia desenrolando uma fina, comprida e sólida corrente com um peso na ponta. A corrente era de prata.

 No momento em que a estrige iniciou o salto, a corrente sibilou no ar e, contorcendo-se como uma cobra, enroscou-se nos ombros, no pescoço e na cabeça do monstro. A besta desabou por terra no meio do pulo, soltando um uivo de perfurar os tímpanos. Agitava-se convulsivamente no chão, berrando, desesperada – não era possível saber se de raiva ou da dilacerante dor provocada pelo odiado metal. Se quisesse, Geralt podia matá-la sem dificuldades.

 A estrige conseguiu desvencilhar-se da corrente, e a luta começou novamente. Porém, o monstro reconheceu que era sensível à prata e, após Geralt desembainhar sua espada, fugiu da luta.

 Geralt percebeu que já estava na hora de dirigir-se ao sarcófago e, portanto, desceu as escadas. A cripta era pequena e continha três sarcófagos. O primeiro, logo à entrada, tinha a lápide aberta pela metade. Geralt pegou o terceiro frasco, sorveu seu conteúdo e entrou no sarcófago. Como esperava, era duplo, para mãe e filha. Cerrou a laje somente quando ouviu o urro da estrige vindo de cima. Deitou-se ao lado do mumificado corpo de Adda e riscou o Sinal de Yrden – que impede que monstros aproximem-se, assustando-os – na parte interna da lápide. Colocou sobre o peito a espada e uma pequena ampulheta com areia fosforescente. Cruzou os braços. Não ouvia mais os horripilantes gritos da besta retumbando pelo castelo. Aliás, parou de ouvir qualquer coisa, pois o cólquico e a celidônia começaram a fazer efeito.

VII

 Quando Geralt abriu os olhos, a areia na ampulheta já escorrera quase totalmente para a parte inferior, o que significava que sua letargia durara mais do que o devido. Aguçou os ouvidos e não ouviu som algum. Seus sentidos haviam retornado ao estado normal.

 Saiu do sarcófago com dificuldade, o corpo dolorido, transido de frio e enrijecido. Foi quando a viu, jazendo de costas perto da tumba, nua e desfalecida. Era feia, suja, magrinha, com seios pequenos e pontudos. Seus cabelos cor de cobre chegavam quase à cintura.

 Ajoelhou-se e inclinou-se sobre a criatura. Tinha os lábios pálidos e um grande hematoma numa das maçãs do rosto, provocado por um dos golpes que lhe dera. O bruxo tirou as luvas, colocou a espada de lado e, sem cerimônia, ergueu com o dedo seu lábio superior. Seus dentes eram normais. Ao estender o braço para pegar sua mão enroscada na vasta cabeleira emaranhada, viu que estava de olhos abertos. Porém, era tarde demais.

 Ela o atingiu no pescoço com as garras afiadas, cortando fundo a carne e fazendo o sangue esguichar no rosto. Urrou, desfechando um novo golpe com a outra mão, dessa vez na direção dos olhos. Geralt caiu sobre ela, agarrando seus braços pelos punhos e mantendo-os presos no chão. Ela tentou abocanhá-lo, mas seus dentes já eram muito curtos. O bruxo aplicou-lhe uma cabeçada no rosto e pressionou-a ainda mais contra o piso. Ela não dispunha da mesma força de antes e ficou apenas se debatendo sob seu peso, gritando e cuspindo o sangue que lhe escorria da boca – o sangue dele. O ferimento de Geralt era profundo e o sangue jorrava em profusão. Não havia tempo a perder. Ele praguejou e mordeu-a no pescoço, junto da orelha.

 Deixou os dentes ali cravados até o momento em que os uivos desumanos se transformaram num agudo e desesperador grito, seguido de uma onda de soluços – o choro de uma brutalmente agredida garota de catorze anos.

 Soltou-a apenas quando ela parou de se agitar. Ergueu-se, tirou uma tira de pano do bolso e apertou-a contra a ferida no pescoço. Tateou o piso até encontrar a espada, encostou a ponta da lâmina na garganta da jovem desmaiada e lhe examinou a mão. As unhas estavam sujas, quebradas, ensanguentadas, mas normais.

 Geralt, por ter perdido muito sangue, desmaiou.

VIII

 Depois de dois dias, o bruxo acordou no templo de Melitelle, em Ellander, onde Velerad despediu-se e deixou Geralt descansando, sob os cuidados da arquissacerdotisa, Nenneke.

 

 

 

Autor(a): Pedro Voltera
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